A adopção de normas destinadas a responder da melhor forma (mais eficaz e digna) a condutas que atacam de forma intolerável os valores nucleares de uma determinada comunidade sempre levantou questões de resolução extremamente complexa.
Basta pensarmos no caso de Singapura (que pune com a pena de morte várias condutas, nomeadamente o tráfico de estupefacientes), ou da Holanda (que decidiu legalizar o consumo de drogas leves para, entre outras coisas, ter algum tipo de controlo sobre o fenómeno).
Tal discussão está, aliás, relacionada com os próprios objectivos das penas que (como todos os juristas sabem) têm sido objecto das mais intensas discussões ao longo dos tempos, tendo-se evoluído de um paradigma da Lei do Talião para um paradigma, mais próximo dos valores hoje defendidos pela comunidade, de Prevenção Geral e Prevenção Especial.
Um fruto, mais ou menos recente, desta discussão é a chamada "Three Strikes Law" adoptada, ainda que em moldes ligeiramente diferentes, por cerca de 26 Estados.
Em traços gerais, esta lei prevê que uma pessoa que cometa três crimes (em alguns estados exige-se um certo grau de gravidade, noutros nem isso) deverá ser condenada a uma pena de prisão mais longa (normalmente, anda entre os 25 e os 50 anos de cadeia) ou, até, a pena de prisão perpétua. E, como é "evidente", tal pena deverá ser cumprida sem qualquer hipótese de conseguir liberdade condicional.
O princípio geral de fazer um juízo mais intenso de censura sobre alguém porque decidiu cometer novos crimes apesar de já ter sido condenado anteriormente não me choca minimamente. Trata-se de, com efeito, de um princípio pacificamente plasmado na nossa lei penal (artigos 75.º e seguintes do Código Penal).
Mas o que esta norma faz é ir muito além do que este princípio aconselha.
Não vou discutir a clara violação do princípio da culpa, a desumanidade da pena de prisão perpétua (seja assim designada ou consistindo numa condenação de 50 ou 60 anos) a desproporcionalidade de tal punição, ou outros problemas que saltam à evidência nesta disposição.
O que quero dizer é que, mesmo para quem não veja tais problemas, a norma em questão é contra-producente.
Na faculdade, aprendi com o Ilustre Professor Costa Andrade que o agente de um determinado crime, regra geral, não toma em consideração a pena com que o crime que pretende cometer é punido no momento em que o decide cometer. Ou, pelo menos, tal consideração não influencia verdadeiramente a sua resolução criminosa. O que realmente faz diferença é a convicção de que vai, ou não, ser detido e punido caso decida cometer o crime em causa.
Não é preciso ir longe para encontrar um exemplo disto, mesmo quando se trata de cometer uma simples contra-ordenação: Se todos nós soubessemos, à partida, que existia uma hipótese de 70% de sermos apanhados, quantos de nós excederiam o limite de velocidade na Auto-estrada? E se essa possibilidade fosse de "apenas" 50%?
Ora, para além de não terem conseguido um verdadeiro aumento do efeito dissuasor da Lei Penal, o que os estados americanos em questão conseguiram fazer foi colocar pessoas que, muitas vezes, foram condenadas por pequenos delitos, em situações de absoluto desespero, em que farão quase tudo ou tudo para escaparem à pena de prisão. E mesmo os criminosos que cometeram crimes de alguma gravidade, passam a estar numa posição em que nada têm a perder, com consequências que não é necessário desenvolver.
E, como se isso não fosse suficiente, provocaram injustiças atroses punindo com 25 anos de prisão pessoas que se limitaram a furtar coisas como tacos de golfe (Gary Ewing), cassetes de vídeo (Leandro Andrade. Felizmente, neste caso o Tribunal encontrou uma forma de desaplicar esta lei e reduzir a pena para "apenas" seis anos de prisão.), ou uma fatia de pizza (
Jerry Dewayne Williams), ou que que foram detidas na posse de drogas, ou que cometeram os chamados "crimes de colarinho branco".
Os americanos são dados a rasgos de génialidade e a actos de estupidez inacreditáveis. Infelizmente para quem cair sob a alçada desta lei (especialmente para as minorias que, como sempre, são mais atingidas pelos fenómenos que geram o crime), parece-me que, desta vez, estamos no âmbito da segunda e não da primeira.
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