quarta-feira, 26 de julho de 2006

Gafes?

Recentemente, o Exmo. Sr. Presidente da República disse que as famílias monoparentais são um risco duplicado de pobreza para as crianças, de 14% para 30%. Que, "para além da felicidade do homem e da mulher, há o filho, a filha". E recomendou que, antes de pensarem na sua felicidade, os pais deveriam pensar na dos filhos (estou a parafrasear, mas creio que era esse o sentido).
Quando ouvi esta frase pela primeira vez, durante os noticiários nacionais, nem queria acreditar. Estaria o Presidente da República a sugerir que os membros da maioria das famílias monoparentais teriam algo a dizer na sua formação? Trocando por miúdos, estaria a sugerir que as famílias monoparentais, constituídas por viúvas, mães ou pais cujo parceiro escolheu abandonar o menor ou outras situações semelhantes, teriam alguma forma de impedir a sua formação e continuar como famílias "biológicas"?
Tal insinuação, em meu entender, representaria uma injustiça atroz. Não só pelo facto de os membros de tais famílias nada poderem fazer quanto à sua "condição" de monoparental, como pelo facto de ser evidente, e até, básico que uma família com dois rendimentos tem menos probabilidades de ser pobre que uma com apenas um rendimento.
Não gosto de mencionar factos pessoais nestes posts, mas sendo membro de uma família monoparental achei especialmente ofensiva a insinuação do Exmo. Sr. Presidente da República.
Contudo, o Exmo. Sr. Presidente da República viria posteriormente explicar a sua afirmação: "O que eu disse foi que cada um tem o direito de encontrar a sua felicidade, mas que nesse processo, de que pode resultar o divórcio, não esqueçam os filhos. O apelo é para que pensem primeiro nas crianças".
A verdade é que disse algo muito diferente disto.
Se era isto que queria dizer, o Exmo. Sr. Presidente da República deveria ter, pelo menos, falado no fenómeno que o divórcio representa na nossa sociedade. Não fez qualquer referência a este instituto, pelo que fico com sérias dúvidas do real sentido das suas palavras ou da sua capacidade de comunicar com os portugueses e de impulsionar a sua política contra a exclusão. É que a luta contra a exclusão tem, necessariamente, de ser desenvolvida por alguém com grande sensibilidade para as questões em jogo.

segunda-feira, 24 de julho de 2006

Pactos

Não há dúvida que ainda estamos a compreender os efeitos do 11 de Setembro e do terrorismo em solo americano.
Só estes desconhecidos e imprevisíveis efeitos explicam que a imprensa norte-americana tenha aceite as directrizes da Administração Bush para não publicar, nem difundir imagens da guerra. Ao que parece, só estão autorizadas as baptizadas de “imagens limpas” (pelo que percebi, sem vítimas).
Já tinha ouvido o comentário de que este pacto tem sido fundamental no convencimento dos norte-americanos da “bondade” desta guerra, evitando - à semelhança do que aconteceu com a guerra do Vietname - que a população se insurja à medida que “ os caixões” que ninguém quer registar, nem contabilizar, forem chegando.
Mas, vi hoje noticiado no JN, com referência ao El País que, não se podendo conter mais, são os próprios militares regressados da frente de batalha que têm posto on-line, acessível e sem limitações, filmes e vídeos que eles próprios recolheram “in loco”.
Segundo a correspondente do El País em Nova Iorque trata-se de “Imagens absolutamente, chocantes, extremas. Mas reais”.

quarta-feira, 19 de julho de 2006

Desilusões

O fenómeno das cruzadas, enquanto movimento que levou milhares de pessoas (desde reis a camponeses) a tentar recuperar pela força das armas o local onde acreditavam que o seu salvador falecera, sempre me despertou profunda curiosidade.

Afinal quem é que poderia ficar indiferente a algo que uniu (apesar de várias divisões internas) povos e governantes de países tão diferentes, que supostamente era o expoente máximo dos mais nobres ideais de cavalaria da altura e que materialização um conflito entre o Ocidente e o Oriente?
O problema é que esta visão romanceada não resiste a uma inspecção mais cuidadosa. Quem escolhe ir um pouco além da formação que nos é dada na escola ficará certamente desiludido com o que o aguarda.
Apesar de esta visão ainda persistir junto de algumas camadas menos esclarecidas da população, a verdade é que desde há muito que está mais que provado que, as mais das vezes, as motivações que levaram os cruzados ao Oriente nada tinham a ver com fervor religioso.
O carácter quase mercenário das cruzadas atingiu ponto mais obsceno em 1202, quando o Papa Inocêncio III apelou junto da cristandade para a realização de uma nova cruzada destinada a conquistar Jerusalém. Uma vez reunidas as tropas em Veneza, os seus líderes constataram que não tinham ouro suficiente para pagar aos venezianos o transporte até à terra santa. Surgiu então uma ideia brilhante: os cruzados conquistariam Zara, uma cidade veneziana na Dalmácia que se revoltara em troca de um adiamento do pagamento.
Entretanto chegaram notícias de Bizâncio. O filho de Isac II imperador deposto, Alexius IV, conseguira fugir e apelara aos cruzados para o ajudarem: em troca prometia-lhes dinheiro e os recursos do império para a conquista de Jerusalém. Os cruzados aceitaram de imediato e, depois da morte de Alexius IV, decidiram conquistar Constantinopla em proveito próprio. Quando finalmente caiu, Constantinopla foi saqueada durante 3 dias.
Não era bem isto que tinha em mente quando pensava nos cruzados.
E, como isso não bastasse, é hoje também um dado adquirido que algumas das figuras mais emblemáticas desse período não possuíam a nobreza que gostaríamos que possuíssem. Exemplo crasso disso é a figura de Ricardo Coração de Leão que, em 1191, após desembarcar em Chipre devido a uma tempestade, decidiu massacrar o líder bizantino da ilha que lhe pediu para partir, bem como os habitantes de todas as cidades que lhe resistiram.
Este post não é uma simples apontamento sobre um obscuro aspecto da nossa História que não poderia interessar menos à maior parte das pessoas. Só sabendo de onde vimos, só conhecendo o passado que nos define é que podemos ter uma melhor perspectiva do que o futuro nos reserva.
Há que pensar e formar uma opinião sobre as reais vantagens e desvantagens, sobre o real valor de certos eventos para compreendermos verdadeiramente aquilo sobre que a nossa cultura e identidade assenta. E para isso é preciso conhecer o nosso verdadeiro passado, e não uma versão romanceada e deturpada da realidade.
Para saber mais:
"As Cruzadas Vistas pelos Árabes", de Amin Maalouf, da Difel 82 - Difusão Editorial, S.A.;

sábado, 1 de julho de 2006

O fim do Freitas

A remodelação governamental a que assistimos hoje tem muito que se lhe diga. Primeiro, porque só o mais ingénuo acreditaria na fundamentação apresentada por Freitas do Amaral: quando muito, a cirurgia antecipou a remodelação, mas de modo algum a justifica.
De facto, o que motivou a saída de Freitas do Governo foi a sua desastrosa actuação em todas as pastas, desde o dossier dos emigrantes no Canadá ao incidente diplomático com o Reino Unido aquando da negociação das perspectivas financeiras, passando pelo corte das relações atlânticas.
Acima de tudo, tenho pena que tudo isto tenha sucedido. De facto, nutria uma enorme admiração por ele, personagem fundamental na história da democracia.
Foi ele quem chamou a atenção que a democracia plural admitia a existência da direita, tendo suportado um cerco no palácio de cristal na fundação do CDS ou a destruição das sedes deste durante o Verão quente.
Senhor de uma inteligência incomparável, acaba por ter a sua imagem definitiva e inevitavelmente manchada por esta experiência governativa, que começou mal - quando na campanha eleitoral apelou ao voto no PS - e acabou ainda pior, tendo criado um desnecessário mau estar no seio do Governo quando se ofereceu para candidato do PS à presidência da república.
Finalmente, o Promeiro-Ministro percebeu que era carta fora do baralho e decidiu exonerá-lo. Não me parece é que tenha escolhido bem a alternativa: Luís Amado, de competência inquestionável, parte para a nova pasta com uma imagem já desgastada e com a responsabilidade pelo apagamento completo das forças armadas. Não tem peso político e não tem imagem internacional.
Já a escolha de Severiano Teixeira para a Defesa é de aplaudir, uma vez que se trata de um socialista de seriedade e competência comprovadas, quer pela sua acção nos governos de Guterres, quer pelo seu percurso académico.