terça-feira, 29 de agosto de 2006

Controvérsia da semana

Na minha opinião, a generalidade das medidas adoptadas pelos últimos governos israelitas padecem todas do mesmo problema: falta de visão a longo prazo.

Será que alguém acredita que é possível destruir pela força os movimentos terroristas que actuam em muitos dos países que rodeiam Israel? Parece-me óbvio que não. Mais não fosse pelo efeito bola de neve.

Eu explico. Mesmo que Israel tivesse conseguido um enorme sucesso militar na sua campanha no Líbano (o que não aconteceu) e tivesse conseguido eliminar metade dos membros do Hezbollah e destruir parte considerável do seu armamento, a verdade é que o facto de ter voltado a invadir o Líbano, de ter atacado escolas e hospitais (para os libaneses é irrelevante se escondiam armas ou não), e de ter cometido erros graves durante os seus bombardeamentos, sempre faria com que as fileiras desse movimento fossem alimentadas por milhares de pessoas que foram afectadas pela ofensiva israelita.

Ao conduzir a ofensiva no Líbano da forma que conduziu, Israel criou martires, alimentou rancores e deu matéria-prima a todos aqueles que querem fomentar de ódio por Israel.

Honestamente, acho que Ehud Olmert teria sido mais inteligente se tivesse limitado, ao máximo, os seus ataques a alvos militares e à região do sul do Líbano, e evitado atingir estruturas civis elementares como estações de tratamento de água e centrais eléctricas.

Não me interpretem mal. Não sou naif ao ponto de acreditar que Israel atingiu alvos estritamente civis porque quis. A guerra não pode deixar de ser algo inconcebivelmente confuso e a força aérea israelita estava a tentar eliminar um inimigo que se esconde entre os civis, que tem recursos de um exército, mas mantém características civis.

Mas mesmo perante este cenário, acho que Israel deveria ter-se contido mais.

Israel destruiu centenas de quilómetros de estradas, bairros inteiros e estruturas civis de importância vital. Não digo que alguns desses alvos não tivessem valor militar. É óbvio que há necessitavam de cortar os meios de comunicação utilizados pelo Hezbolah. Agora será que não teria servido melhor os interesses de Israel deixar alguns desses alvos intactos?

É que mesmo com toda esta destruição, Israel, em termos militares, fracassou. Não conseguiu destruir o Hezbollah. E, em vez disso, fez com que um povo de cerca de quatro milhões de pessoas visse um quarto da sua população ser forçada a fugir das suas casas. Fez com que um povo que começava agora a ter um novo crescimento económico, que voltava a sonhar em ver a sua capital merecer o epíteto de "Paris do Oriente" visse todos os seus esforços transformados em pó.
http://news.bbc.co.uk/nol/shared/spl/hi/pop_ups/06/middle_east_enl_1156281698/img/1.jpg

Ehud Olmert e os seus generais deveriam ter conduzido a guerra com a maior cautela, por forma a que a comunidade internacional nada lhes pudesse apontar e que houvesse pelo menos uma pequena possibilidade de o povo libanês pensar que o Hezbollah representa um problema sério que tem de ser solucionado.

Como os povos europeus aprenderam depois da Primeira Guerra Mundial, e outros povos dominantes têm aprendido ao longo da História, quando temos o poder para decidir o que acontece aos nossos inimigos, não os podemos colocar numa posição em que pouco ou nada têm a perder, caso contrário estarão dispostos a praticar actos desesperados.

O que estou a dizer aplica-se à forma como Israel lida com os palestinianos e com o seu governo. Graças às limitações de movimentos nos seus portos marítimos e aeroportos, às regulares destruições de estruturas civis, a situação na palestina e na faixa de gaza está próxima do insustentável (com taxas de 60% de desemprego).

E, como isso não bastasse, sempre que um governo é eleito que Israel não obtem a eficácia que pretende, invade os território e mantém-no refém, enquanto destroi as suas instalações.

Ora, é evidente que, existindo uma dispersão tão grande de movimentos terroristas na Palestina, e sendo os recursos e meios do governo tão escassos, jamais algum governo palestiniano poderá ter a eficácia pretendida por Israel na prevenção dos ataques terroristas.

Se Israel realmente quer um governo legítimo, democrático e eficaz na Palestina, não pode lidar com o Hamas, ou qualquer outro governo dessa região, como se este fosse um movimento terrorista, pois ao fazê-lo só dá uma justificação aos extremistas para os atacarem.

Quero clarificar um ponto: Eu não digo que Israel não se possa defender. Acho que tem toda a legitimidade para o fazer.

Apesar de os raptos dos seus soldados terem sido, claramente, uma desculpa para dar início a um plano que estava delineado há algum tempo, compreendo que o tenha feito. Um país soberano deve ter o direito de se defender de um movimento terrorista cujo único objectivo é destruí-lo, mesmo que, para isso, tenha de penetrar em terrtório de formalmente de outro país, mas que é controlado pelo referido movimento.

O que eu discuto é a sensatez, a longo prazo, da adopção de tais medidas. Isto porque, quer queiramos, quer não, os israelitas, os palestinianos, os sírios, os jordanos, libaneses e os egípcios não vão a lado nenhum.

4 comentários:

  1. Confesso que tenho pena que, ao lado de afirmações muito acertadas, tenhas deixado escapar comentários depreciativos que demonstram uma parcialidade inequívoca.
    Então o rapto de soldados é uma desculpa?
    Por outro lado, fica a ideia, ao ler o teu texto, que são os árabes da palestina ou da síria que são civilizados e democráticos...
    Gostava eu um dia de ver em Portugal uma democracia como a israelita. Veja-se que nem em tempo de guerra a liberdade de informação e de opinião foi limitada. Basta ver as notícias dos escândalos do presidente e da credibilidade do Governo.
    Em nenhum outro Estado isto aconteceria, aliás, como as Constituições prevêem...

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  2. E com todo o respeito que sabes que tenho por ti Afonso, tenho pena em dizer que não percebeste o que queria dizer.
    Eu não vivo numa caverna em Marte, com os olhos e os ouvidos tapados.
    Eu sei que os estados árabes que circundam israel têm defices enormes de cultura democrática.
    Mas o que eu digo é que, em termos políticos, de gestão do destino da sua nação, da obtenção do que é melhor para os israelitas, as políticas dos seus governos têm falhado em compreender que há que adoptar uma estratégia a muito longo prazo, de procura de uma convivência com estes povos. Porque eles não vão a lado nenhum.
    Quanto à questão do rapto ser uma desculpa, continuo a pensar isso, convicção que só foi reforçada pelas notícias de que desde há muito existia um plano para invadir o Líbano e atacar o Hezbollah.

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  3. As tuas primeiras palavras são precisamente as "afirmações muito acertadas" a que ne referia.
    Quanto às segundas, confesso que continuo a notar falta de imparcialidade e de fria racionalidade na análiso do conflito...

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  4. Já tinha verdadeiramente saudades de assistir a uma vossa discussão!!!

    Não deixem morrer o espírito...

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