Como se já não bastasse a "comichão" com que ficamos ao ligar a televisão e ver a Assembleia da República repleta de cadeiras vazias e deputados a dormir ou ao telefone, ou ao ouvir falar nas reformas chorudas e nos subsídios de reintegração, os Exmos. Srs. Deputados decidiram dar-nos mais razões para nos "coçarmos".
Certamente que já é do conhecimento de todos - nunca vi uma notícia com tanta irrelevância prática espalhar-se tão depressa: os Exmos. Srs. Deputados "adaptaram" a agenda da Assembleia da República por forma a libertar-los dos seus pesados deveres durante a realização do jogo de Portugal com o México no próximo Campeonato do Mundo.
Não acho que seja de censurar, em abstracto, o desejo de ver o jogo e puxar pela seleção, ou, até, de acomodar um pouco o horário de trabalho para poder vibrar (ou não) durante 90 minutos.
Agora o que me choca é que, num país onde todos falam do descrédito da classe política, da necessidade de trazer uma maior credibilidade às instituições, em que a maior bandeira é a da produtividade, os membros da Assembleia da República entendam que o futebol é de tal forma importante que têm de alterar a sua agenda em conformidade.
Posso estar a ser fundamentalista, mas parece-me que é uma atitude que envia uma mensagem totalmente inaceitável. Será que os Exmos. Srs. Deputados vão recomendar ao Governo que dê tolerância de ponto aos funcionários públicos durante esse período? É que doutra forma só ficará a ideia de que estão acima do resto da sociedade.
Ainda por cima quando os próprios líderes parlamentares assumem que o fizeram para evitar que as cadeiras ficassem vazias durante esse período tornando inoperante o parlamento. Isto não faz impressão a mais ninguém? Assume-se como normal que, caso esteja a decorrer um jogo de Portugal no Mundial da Alemanha, os deputados da Assembleia da República Portuguesa não se sentem obrigados a cumprir os deveres que assumiram perante os seus eleitores.
Como é que fica a sua legitimidade perante o resto do país?
Mas afinal de conta o futebol é assim tão importante? E se sim, porquê? Ou será que é por se tratar duma seleção portuguesa numa competição mundial? Se o desporto fosse outro, teriam a mesma preocupação? E se fosse o mundial de vólei? Ou de basket?
Isto só me parece provar o que já muitas vezes disse que, em Portugal, se perdeu a noção do que siginifica liderar através do exemplo. O que é especialmente triste numa altura em que os portugueses, que continuam muito descrentes relativamente a tudo o que tenha a ver com o Estado, precisam desse estímulo.