Recentemente tomei conhecimento de algumas situações absolutamente surreais nos nossos Tribunais e não consigo deixar de as partilhar com todos aqueles que tiverem paciência para as ouvir (ou ler).
No mês passado deram-me a ler uma contestação apresentada num processo que se encontra a correr termos no Tribunal da Pequena Instância Cível de Lisboa. Se eu disser que era a contestação de uma injunção apresentada no ano 2000 provavelmente a maior parte dos meus colegas não ficará muito espantada. É mau, mas (infelizmente) não é surpreendente.
O que me espantou foi o carimbo aposto pelo Tribunal nessa contestação: Junho de 2002!!
Ou seja, a Secretaria-Geral de Injunções demorou dois anos a citar a Requerida (o que, por vezes se justifica, dadas as dificuldades de encontrar a Requerida), e depois de esta dar entrada da sua contestação, demorou quatro anos a notificar o mandatário do Requerente do teor da mesma. Ainda bem que este mecanismo foi criado para acelerar o desenrolar do processo.
A outra situação inacreditável diz respeito a um processo que deu entrada em Tribunal em 2000 (ano amaldiçoado, pelos vistos). O Réu foi citado pouco tempo depois, tendo contestado oportunamente a pretenção do Autor. Como a maior parte de nós sabe, nesta altura do campeonato nada mais resta a qualquer das partes a não ser esperar que o Juiz pegue no processo e lhe dê andamento (nomeadamente proferindo despacho saneador).
Ora, neste caso em particular, a espera durou seis anos. Efectivamente, só no mês passado chegou a notificação do despacho onde o Juiz do processo determinou a remessa dos autos para o Tribunal Judicial de Viseu com fundamento na incompetência territorial do Tribunal da Pequena Instância Cível de Lisboa.
Sem comentários...
Para quem tenha curiosidade de conhecer mais alguns casos deste tipo, aqui fica o link para a galeria dos horrores da Ordem dos Advogados:
É certo que estas situações estão (provavelmente) relacionadas com falta de meios e pessoal. Mas, infelizmente, continuam a surgir outras derivadas de níveis de incompetência que, quero acreditar, são absolutamente excepcionais.
É o caso de um despacho proferido por um Juiz do Tribunal da Covilhã onde este afirma que, apesar de a Lei determinar o contrário, deve ser observado o costume que existe nessa comarca que faz com que cada Procurador do M.P. trabalhe com um Juiz específico, não havendo verdadeira distribuição dos processos.
Felizmente isto é apenas uma pequena parte do cenário judicial português. Felizmente a prática judiciária fornece-nos, diariamente, exemplos de profissionais dispostos a sacrificar o seu tempo, a sua energia e o seu dinheiro para prestar um serviço (público) melhor e mais diligente.
Como é o caso de um Juiz do Tribunal do Trabalho de Lisboa que decidiu comprar um ar-condicionado para evitar que os funcionários da sua secção fossem "cozinhados vivos" no Verão.
Ou do Juiz que começou a trabalhar às cinco da madrugada para ter a resposta aos quesitos pronta a tempo e ainda tem energia para ordenar uma inspecção judicial (algo que muitas vezes não ocorre em processos onde é evidente a sua necessidade) para, de fita métrica em punho, ir averiguar as efectivas condições da via onde ocorreu um determinado acidente de viação.
Mas não há razão para alarme. O nosso Ministro da Justiça está atento a todas estas situações. E, estou certo, tem soluções para todas elas. Ou não...