sábado, 11 de fevereiro de 2006

Os cartoons da polémica

Depois de tanta polémica, de tantos protestos (dos quais resultaram várias fatalidades) e dos nervosos pedidos de desculpa do primeiro-ministro dinamarquês, eu não tinha outra hipótese. Tive de ir procurar os famosos cartoons.
E devo dizer que tal tarefa se revelou extraordinariamente difícil. Apesar de sempre ter ouvido falar em vários cartoons, apenas consegui encontrar estes dois.
A minha primeira reacção foi de profunda desilusão. Considerando as reacções que despoletou, eu esperava que Maomé fosse descrito como sendo o Anti-Cristo ou a encarnação de todo o mal.
Ainda assim compreendo que os membros da religião muçulmana considerem estas caricaturas de profundo mau gosto e, até, chocante. Afinal, estamos a falar do seu profeta, do portador da palavra sagrada, da mais alta figura da sua igreja.
O que me parece inaceitável é o ponto a que os protestos chegaram.
Ninguém discute o direito da comunidade muçulmana de se manifestar como entender (desde que o faça pacificamente) ou de fazer chover sobre o seu autor as mais variadas críticas.
Mas não há justificação possível para ameaçar de morte os dinamarqueses (muitos dos quais estão, de uma forma absolutamente admirável, a prestar auxílio às populações àrabes sem qualquer coimpensação), para ameaçar o ocidente com a eclosão da III Guerra Mundial, para atacar embaixadas ou para queimar bandeiras dinamarquesas.
E o pior de tudo foi a reacção dos governantes ocidentais que, influenciados por um injustificado sentimento de culpa relativamente às operações no Afeganistão e no Iraque e por um desejo de manter a paz (especialmente no seus próprios territórios internos) com esta força capaz de mobilizar milhões, apressaram-se a pedir desculpas e a assumir a responsabilidade por uma falta que, na verdade, não cometeram.
Esta é precisamente a oportunidade por que alguns esperavam para, capitalizando nos sacrifícios das massas menos instruídas e mais influenciáveis, tentar impor os seus valores ao ocidente.
Exemplo claro disso é a exigência (surreal) que o Hamas fez para mediar o conflito: um pedido formal de desculpas dos países ocidentais, acompanhado da aprovação de leis que restrinjam a liberdade de imprensa.
A simples sugestão de tal medida deveria ter feito soar alarmes nas mentes de todos nós.
Tudo isto adquire contornos ainda mais grotescos quando lemos nos jornais que "Foi só depois de um encontro da Organização da Conferência Islâmica que as caricaturas de Maomé publicadas num jornal dinamarquês se transformaram numa crise. As manifestações da ira muçulmana foram coordenadas por regimes interessados em travar pressões ocidentais para se democratizarem".
Parece-me evidente que não podemos perder de vista os valores que norteiam a nossa civilização e ceder a este tipo de chantagens.

12 comentários:

  1. Confesso que me incomoda que o nosso blog tenha as caricaturas. Isto porque, sendo um facto indiscutível que a liberdade de expressão é um valor e um direito que não pode sofrer qualquer pressão, a verdade é que este
    é um direito que, como todos os direitos, sofre restrições.
    Quais restrições? Aquelas que sejam essenciais a salvaguardar outros direitos. Não podemos insultar-nos, em nome da liberdade de expressão, porque isso viola o direito à honra do outro. Por isso há crime de injúrias.
    Não podemos difamar, em nome do direito em honra.
    A liberdade de expressão cessa onde começa um direito fundamental do outro.
    Ora, será que a publicação de tais caricaturas não viola a liberadade religiosa dos muçulmanos, na dimensão em que estes devem ver respeitada a sua religião?
    Porque seria crime uma notícia injuriando um muçulmano mas já é um valor fundamental da nossa civilização direito de insultar valores essenciais de outra religião?
    Faz pensar. Até porque, para a cultura islâmica, provavelmente será mais grave insultar as suas crenças do que as suas pessoas. E isso não pode ser digno de respeito?

    E porque é que os países ocidentais que protegem a liberdade de expressão são os primeiros a restringi-la em nome de outros valores, mais discutíveis? Em vários países ocidentais é proibido caricaturar homossexuais! Os mesmos que apregoam o direito a caricaturar Maomé, mesmo sendo isso um insulto à liberdade religiosa alheia.

    Repare-se que não estou a legitimar as reacções violentas. Essas são inqualificáveis.

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  2. Mas tenho dúvidas, muitas dúvidas, quanto à licitude da publicação das caricaturas.
    Não sei se, a par das restrições que existem em nome do direito à honra e em nome da prevenção da homofobia, não devemos ser coerentes e aceitar restrições em nome da liberdade religiosa, na sua dimensão de ver respeitada a religião que livremente for escolhida.

    Mas tenho dúvidas...

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  3. Realmente não me ocorreu que colocar no blog as únicas caricaturas que encontrei pudesse incomodar qualquer dos meus camaradas do bloggers.
    Lamento que isso te incomode. Não tinha minimamente o objectivo de te causar esse desconforto.
    Mas continuo a achar que não foi um erro.
    Mais não seja para simplesmente as podermos ver e tomar uma posição relativamente a elas, para evitar que este assunto continue a ser discutido no abstracto, em 2.ª, 3.ª ou 4.ª mão.
    Além disso, mesmo depois de ler o teu comentário, continuo a pensar que a sua publicação não é ilícita.
    Não estamos a falar de uma caricatura de um indivíduo ou de uma pessoa colectiva.
    Estamos a falar de uma crítica ao Islão, enquanto religião, e aos muçulmanos, enquanto membros dessa religião, realizada através de uma caricatura. Pelo menos, é isto que me parece ocorrer no presente caso.
    Ora,na minha humilde opinião, as religiões, tal como as doutrinas políticas e as concepções sociais, devem ser susceptíveis de crítica pública. Assim como os seus membros enquanto tais.
    Deve ser-me permitido dizer que a religião islâmica (ou budista, ou hindu ou seja o que for) fomenta a violência e a intolerância, que tem um cariz repressivo, etc... Ou de dizer que a Igreja católica ou os dirigentes religiosos muculmanos tiveram um comportamento errado em determinado assunto.
    O que eu acho completamente errado é ver essa liberdade limitada porque outras pessoas consideram determinada religião a verdadeira e querem obrigar o resto do mundo a partilhar essa opinião.
    Ninguem questiona por um segundo o direito de qualquer pessoa a adoptar determinada religião, ou de tentar converter outros à sua crença.
    Agora, nada disso implica que eu não posa ter uma opinião relativamente a essa religião e que não a possa expressar publicamente.
    É verdade que as religiões assentam na fé e não na razão. Mas isso não me impede de ter uma opinião relativamente a elas e de a expressar publicamente. Sob pena de nos vermos num Estado que deixou de ser laico.
    Aliás, tal entendimento levado ao extremo implicaria que fosse inadmissível dizer que Deus não existe, que Cristo era filho de Deus (ofendendo a visão que os Judeus têm da História) ou que Maomé era o verdadeiro portador da palavra de Deus (ofendendo a visão quer dos judeus, quer dos cristãos).
    Uma pequena ressalva: eu estou a defender a liberdade de podermos exprimir uma opinião relativamente a qualquer religião, mas aceito limites. Se as caricaturas os retratassem os muçulmanos como pedófilos, como traficantes de droga ou algo assim, teria muitas dificuldades em admitir a sua licitudude.

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  4. Lá está, roque... Verias como ilícita essa actuação porque, de acordo com os teus valores, é censurável uma afronta à dignidade e à honra de pessoas...
    Mas já entendes lícita a caricatura de elementos religiosos porque, de acordo com os teus valores (e meus!), a afronta a símbolos religiosos não é tão grave a pessoas.
    Mas se para os muçulmanos é gravíssimo a representação de Maomé, porque é que isso não pode ser respeitado?
    Se proibimos as injúrias nos jornais, qual é a diferença na protecção de símbolos religiosos que, para os muçulmanos, representa uma maior gravidade que uma injúria?
    Afinal... há ou não liberdade de consciência? Se eu tenho direito a ver o meu direito à honra protegido, porque não têm os muçulmanos o direito a ver tutelado o seu direito ao respeito da sua religião?

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  5. Ninguém discute o direito dos muçulmanos a ver tutelado o seu direito ao respeito da sua religião.
    O que se disctue é a extensão desse direito.
    É que, na minha humilde opinião, a questão não pode ser analisada exclusivamente partindo do que ofende os muçulmanos ou os membros qualquer outra religião.
    Existem centenas de aspectos da nossa civilização que colidem directamente com os ensinamentos do Islão (ou pelo menos, com a visão que alguns dos seus membros têm desses ensinamentos), e não é por isso que devemos reprimir a discussão aberta sobre eles.
    É que, como já disse antes, se levarmos este raciocínio ao extremo, a discussão sobre religiões e a crítica às mesmas ficará totalmente dependente da maior ou menor sensibilidade dos seus membros.
    Algo que conduziria a um obscurantismo relativamente a esse tema que penso não ser o melhor caminho a seguir.
    Pelo menos no modo como entendo que o mundo deve ser, eu devo poder falar sobre os aspectos essenciais de uma religião. E é suposto que essa religião, se é mesmo a verdadeira, resista a essas críticas e tenha argumentos suficientemente apelativos para me fazer acreditar nela, para me fazer esquecer a Razão e ter Fé.
    Não estamos a falar da honra e imagem de uma pessoa que é injustamente acusada de ser assim ou assado. É como tu dizes. Por estarmos a falar de uma religião, a tutela é menor. Mas concordo que não é inexistente.
    Esclarecendo melhor o que venho dizendo: aceito críticas (ainda que com humor) a certas características, valores e doutrinas veiculadas pela religião A ou B.
    O que vá para além disso (como a associação de uma determinada religião à prática de certos crimes) já me parece criticável.

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  6. Então sejamos coerentes: acabem-se com os limites à liberdade de expressão mesmo quando colidam com o direito à honra ou com a discriminação de homossexuais... Porque é que esses direitos são mais importantes que a liberdade religiosa?

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  7. Honestamente, parece-me evidente que se tratam de coisas diferentes já que num caso se visa uma religião (e não especificamente os seus membros, que, apesar de tudo, são livres de acreditar ou não) e no outro o alvo é um grupo que tem uma característica que escapa ao seu controlo.
    Mas ainda assim, não vejo porque é que uma caricatura não pode representar a comunidade homosexual e veicular uma crítica a determinada posição que esta tomou sobre certa questão, relativamente a uma mnifestação que não correu da melhor forma, ou outro tema que caiba nos limites que entendo que devem existir no que diz respeito à crítica às religiões.

    O que me parece ser o cerne desta questão é a distinção entre representações de mau gosto (que são criticáveis, mas admissíveis) e representações ofensivas (que chocam de tal forma o direito à personalidade dos que se sentem afectados, que devem ser proibidas pelo Estado, exigindo-se a punição do seu autor).

    E, a mim, parece-me que estamos no primeiro caso. Os muçulmanos têm todo o direito de criticar, de se manifestar, de deixar de ler os respectivos jornais e recomendar a outros que não os leiam. Mas parece-me excessivo exigir que a sua publicação seja proibida.

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  8. Olá amigos! É com grande gosto e orgulho que vejo pela primeira vez o vosso blog...muitos parabens!
    Quanto à questão em apreço acho que já "correu tinta" à mais do que aquela que deveria ter corrido e por isso, acho que todos nós já temos a nossa própria posição.
    A minha é muito simples e directa: nada justifica a opressão, ameaça e violencia... Mesmo que os mulçumanos, grandes devotos e crentes da sua religião e do seu profeta, não aceitem as criticas que lhes são feitas nada e ninguém as pode proibir... Aliás, o melhor a fazerem é mostrarem ao mundo que estes cartoons não têm razão de ser e isso começa por criticarem sim, civilizadamente e pacificamente,mas sem violencia e ameaças.
    Já imaginaram se cada pessoa que é criticada e se considera ofendida parte para a violencia...????
    Onde iria parar este mundo que se diz livre e democrático....

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  9. Não consigo concordar que a diferença está no facto de os muçulmanos "escolherem" acreditar na sua religião...
    Por essa ordem de ideias também vamos dizer que os homossexuais escolheram ser assim...

    O que está em causa é a colisão de dois direitos fundamentais: a liberdade religiosa e a liberdade de expressão. E está em causa saber traçar o limite.
    E quanto a mim, o ofender uma religião não pode ser aferido pelos nossos padrões mas pelos padrões dessa religião. Se a representação de figuras é um acto horrível na religião X, não devem tais figuras ser representadas, de que forma for.

    Há que traçar a linha entre dois direitos. E a linha há-de permitir a salvaguarda do núcleo fundamental de cada um deles.
    Assim, veria com bons olhos a proibição de representação pictórica de Maomé.

    Porque, roque... para os muçulmanos não está em causa se é uma caricatura de bom ou de mau gosto: está em causa a representação!
    E é isso que tem de ser respeitado. Não somos nós quem deve emitir juízos de valor sobre se é ofensivo ou não.
    O Corão considera ofensivo, e isso deve ser respeitado.

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  10. oh Afonso, vais-me desculpar,mas és capaz de me dar um exemplo de um acto publico que um católico moderado considere ofensivo ao ponto de tomar as mesmas atitudes que as referidas nos comments anteriores?é que acima de tudo esta discussão parece-me caracterizar-se por alguma inflexibilidade, sem querer recorrer a chavões, mas ja o fazendo, a minha liberdade acaba onde começa a liberdade dos outros, e se me é reconhecido o direito de escolher e praticar uma determinada religião, já não me é reconhecido o direito de limitar os direitos de terceiros por causa desa minha opção. Isso era o mesmo que proibir-e o best seller de Dan Brown por colocar em causa a santidade de Jesus Cristo e outros tantos dogmas da igreja católica, não é?
    Ana

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  11. (ups...)porque parece-me que acaba por ser um "desrespeito" do mm nivel, e no entt tal ideia nunca foi colocada. pq apesar dos seus inumeros defeitos a igreja católica tem, nos ultimos tempos, pautado a sua actuação por uma moderação com que outras religiões ainda não estão familiarizadas, sendo este caso um excelente exemplo disso mesmo.
    Ana

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  12. He pá tava a jogar xadrez (www.gameknot.com) vim parar aqui... e li este post. Não estou muito de acordo com o nosso amigo Afonso porque o problema não são as caricaturas, ou as cruzes, ou o veu muçulmano. O problema é a cultura muçulmana, e o efeito que esta vai tendo sobre o resto do mundo. É o medo... o tal receio que o nosso amigo Afonso disse sentir ao ver as caricaturas neste blog. Devemos aceitar isso como normal???. Já houveram várias caricaturas, filmes, livros e outros, que foram considerados ofensivos a varias religioes ou crenças. A questão é que ninguem tinha reagido desta forma tao imprópria e inaceitavel(lembro-me do preservativo no nariz de João PauloII). E é isso que os muçulmanos tem que aprender... TOLERANCIA. Porque se Maomé lhes disse que o mundo era deles, enganou-os, é de muita gente e felizmente com ideais diversificados. Ora agora, fico preocupado se eles aceitam o chadrez, ou se corro alguns riscos.......

    Meus Amigos, na minha opinião, se esse povo não consegue viver com a pluralidade da cultura humana (e penso que definitivamente não, acho que seria muito razoável comprar a Austrália, e enfiá-los lá a todos.. E o dinheiro que gastam naquele muro na Palestina, investiam-no num muro a toda a volta da Austrália pra nao fugir nenhum...

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